Indo para o Castelo (I)

 


Não sei bem ao certo o ponto onde os dois entraram. As seis e quarenta e cinco da matina eu fico sempre em um estado hibrido, o limbo entre o sono e a realidade. Mas sei que o casal estava lá e tinham comprado as poltronas 31 e 32, a minha frente. Eram jovens, acabados de sair da adolescencia. Se vestiam de forma simples mas elegante. E tinham aquele olhar de cumplicidade, de segredo, aquele olhar que nos atrai a tentar descobrir seu passado e futuro.


Ela parecia mais jovem e insegura. Tinha os olhos amendoados e levemente marcados, aqueles olhos que a gente fica esperando um chorinho leve, uma manha. Tinha também uma barriguinha de 4 meses de gravidez. Ele, um pouco mais velho, de barba falhada, parecia querer impor uma maturidade que se esvaia no sorriso maroto, nas brincadeiras - sempre discretas - que fazia com a acompanhante. A cada brincadeira olhavam sem graça, preocupados em demonstrar a delicia da brincadeira própria dos que ainda não se tornaram sisudos.


Desceram a serra conversando, mas sem incomodar os outros passageiros, bem baixinho, quase sussurrando. Quase todo mundo dormia nesse horário, era preciso, eram momentos preciosos do sono perdido. Mas eu não conseguia dormir, fiquei curioso, os sussuros tem essa propriedade comigo, me deixam aceso. Eles não eram, evidentemente, passageiros frequentes.


Eles conversavam sobre a cidade maravilhosa, sobre o medo de serem assaltados, sobre a delicia de se passear no centro, do Aterro, de Botafogo. Falavam com muita graça da malemolência do carioca, do jeitinho, da simpatia. Eu adormeci pensando sobre a cidade. Acordei no meio do engarrafamento, a menina chorando baixinho, o rapaz a abraçava e dizia a ela que tudo ia dar certo, que estava ao seu lado, pedia a ela que ficasse fria.


Ele pedia a ela pra se acalmar, que eles não queriam que ninguém os notasse. Disse que eles iriam tentar encontrar o endereço, se não achassem tudo bem, mas pelo menos tinham tentado, dai ela poderia tomar a decisão que quisesse. O ônibus saiu do engarrafamento e percorria lentamente o caminho em direção a Perimetral. O tempo parecia firme e a temperatura devia estar uns 30 graus, um inferno para quem vinha da Serra. Essa parte nos incomodava a todos.


O rapaz tentava distrai-la, perguntando sobre o calor, e ela lá queria saber de calor! Brigaram, quem pode pensar em calor em uma hora dessas! Calor é o de menos! Mas logo fizeram as pazes, ela o abraçou, com esse jeitinho que as mulheres têm de nos pedir desculpas. Ela pediu a ele para ler o endereço. Rua das Laranjeiras, 450, Clínica Médica Soares e Souza, Laranjeiras. Ela recomeçou a chorar. Achava que não iriam recebê-la, não tinha marcado nenhuma consulta.


Em frente ao Aeroporto Santos Dumont uma alegria, o nenê chutou disse ela, o rapaz pôs a mão rápido na esperança de sentir outro chute. Mas nada disso aconteceu. A viagem transcorreu sem muita demora até o terminal e os dois chegaram ao seu destino. Na descida, pude ouvir o final da conversa. Ele dizia que achava uma supresa e tanto o pai a ver depois de dez anos. Ela concordou sorrindo e acariciou a barriga. E os dois partiram em direção ao metrô da carioca.


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