Emoções Fortes

Não doutor, eu gosto de emoções fortes. Disse Adalberto para o médico, naquela consulta de rotina, checkup, aos quarenta anos. Adalberto se achava com vinte. Comia de tudo e bebia de tudo, torresmo com bobó, caipirinha com uísque. Não tinha tempo ruim. Apesar da fama de comilão, que já havia se espalhado em todo o bairro, todos os vizinhos o chamavam nas bocas livre, porque ele era alegre, brincalhão, uma simpatia que animava até enterro.
E todo dia a mesma coisa, chegava no botequim e mandava: - Ô Manuel, manda aquele chouriço e uma do barril. E o português retrucava: - Ô pá, mas esse chouriço é de ontem, o gajo!. Mas Adalberto sabia, e comia mesmo assim para alegria do lusitano. E chegava em casa pedindo a janta: - Carlota, cheguei meu bem, põe a janta. E a Dona Carlota, com seus vinte e cinco anos de casada já havia posto a janta.
Os doces eram um capítulo a parte, a mulher era doceira, de mão cheia, de fazer compota de encomenda e tudo o mais, e fazia bolo de confeitar também. Todo dia Adalberto atacava um doce diferente. Doce de mamão, pera, uva, morango, caja manga, cupuaçu, acerola, doce de leite. Era uma verdadeira festa. Dona Carlota tinha que vigiar os doces, ou trancar na velha arca, senão nem pra encomenda tinha.
O mais intrigante era o exame médico do Adalberto. Por insistência do afilhado, enfermeiro, Adalberto fazia exame de sangue a cada seis meses, mas não acusava nada, nem um triglicerídio a mais. O de Glicose era 85, bem dentro da normalidade. Os médicos acreditavam que Adalberto tinha o metabolismo acelerado e que isso evitava que ele tivesse um Avêcê.
Mas não era isso não, Adalberto era um apaixonado. Por tudo, pela mulher, pelos doces, pelos amigos, e até mesmo pelo chouriço do botequim. Estava sempre irradiando as suas emoções, acelerando o próprio metabolismo e contagiando quem estivesse perto. Mas a paixão da sua vida era a netinha que estava por chegar. A filha única de Adalberto e Dona Carlota, a Julinha, tinha casado, e agora esperava a Carlinha. Adalberto ficava radiante só de ver o barrigão da filha. Tinha até perdoado o genro, Juca, que tinha fama de malandro e era o unico problema que atormentava Adalberto. Mesmo assim, Adalberto já tinha proferido seu julgamento a respeito: - Não mudo a opinião da Julia. E o que não tem remédio, remediado está!
Mas quando a Carlinha nasceu, foi que aconteceu o pior. O safado do Juca, se mudou para o interior de São Paulo, por causa de uma oferta de trabalho irrecusável, aliás trabalho não, que ele nunca foi chegado, emprego, isso sim. E levou a Julia e a Carlinha com ele. Desde então, o Adaberto vem piorando muito, tá com pressão alta, diabetes e até acido sulfúrico alto. Adalberto está proibido de passar perto do Botequim do Manuel. Dizem os mais íntimos, que ele anda fazendo até dieta, quem diria. E Adalberto, vai uma vez por mês ver a filha e a neta em São Paulo. É o que mantém o pobre homem vivo.
E é o que digo sempre, nessa vida, antes de tudo, e em tudo, e mesmo após, o importante mesmo é ser feliz. Que o diga Adalberto!

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